12 de agosto de 2005

Introdução

Diversos e variados são os caminhos pelos quais flui o conhecimento. Disso sabem os bons estudantes. Mas cada caminho, por suas peculiaridades, é distinto e conduz a uma formação específica, estimulando no aprendiz um enfoque próprio da realidade e uma compreensão igualmente única de seu papel nas relações ali perpetradas.
A idéia que orienta esta iniciativa reflete a opção por um caminho específico. Antes de mais nada, considerando o amplo rol de possibilidades para o enfoque do fenômeno jurídico, chama-se atenção para a necessidade de compreendê-lo como parte integrante do plano político, tomado esse em um sentido amplo, vale dizer, o que diz respeito à pólis: sua existência, sua configuração, sua administração. A pólis considerada como o todo do qual cada um de nós, cidadãos e sujeitos de direitos e deveres, sob as partes formadoras. Porém, essa pertinência entre Direito e Política, para efeitos da presente proposta, deve ser submetida a uma ampla análise acadêmica, crítica e minuciosa, explorando seus detalhes e suas possibilidades. Eis o caminho através do qual se pode elevar o estudo do Direito do nível da técnica (do saber como fazer) para o nível da ciência (do buscar conhecer amplamente). E ciência eminentemente humana.
Daí apregoar-se que o Direito deve ser estudado a partir de uma sólida base humanística: para tratar do ser humano e dos fatos humanos e sociais é indispensável um conhecimento sobre o ser humano e sobre a alma humana. Esse princípio não nega suas influências aristotélicas, ainda que remotas. De fato, na linha proposta pela ética aristotélica, a excelência da Ciência das Coisas Humanas é a sabedoria (phronesis), que não se confunde com a sapiência (epistéme), igualmente importante, mas que pode revelar-se estéril diante da incapacidade do ser humano para dar vida, por em movimento (dinamikós), conceitos que tenha aprendido ou exercitado sem uma formação crítica.
Como se sabe, tributários que foram da filosofia helênica, os romanos fizeram corresponder à idéia grega de phronesis a idéia latina de prudens, , em muito similar àquela, mas assustadoramente empobrecida pela palavra portuguesa prudência, que inegavelmente influencia etimologicamente. Prudens traduz as idéias de bom senso, de sabedoria, de conhecimento das dimensões humanas. E foi justamente no âmbito do Direito (ius, palavra que os romanos preferiram directum, deixando patente a proximidade com a idéia de iustitia) que essa virtude mostrou sua maior influência, tendo os romanos rotulado o seu estudo como “jurisprudência” e os seus mestres como “jurisprudentes”. E somente esses bom senso e sabedoria para as coisas do Direito permitiam que alguém fosse aceito como “jurisconsulto”, ou seja, que pudesse opinar sobre as matérias ligadas ao dever-ser humano.
A dinamização dessa idéia e desse sentimento orientam a idéia que, agora, PANDECTAS pretende traduzir. É indispensável reconhecer que o Direito não é uma técnica (postura que amesquinha a sua natureza, a sua estrutura e a sua função social), não se resumindo a um conjunto de regras que predefinem limites à liberdade de atuação dos seres humanos (quer considerados em sua individualidade, quer considerados em grupos organizados, quer considerados na totalidade da sociedade, representada ou não pelo Estado), mas uma arte das coisas humanas (humanum est), brilhantemente traduzida pelo jurisprudente Celso: “ius est ars boni et aequi” (“O Direito é a arte do bom e do justo”). E justo, aqui, traduz a idéia de eqüitativo, de equânime, e não como atendimento cego à regra. Uma idéia de justiça que pode ser maximiza pela afirmação de Ulpiano: “Iustitia est constans et perpetua voluntas ius suum cuique tribuendi” (“Justiça é a constante e perpétua vontade de dar a cada um o que é seu”).
Essa é a proposta de PANDECTAS.

Gladston Mamede.

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